sexta-feira, 10 de outubro de 2008

NG8 - Programação

Os projectos, os sonhos e as utopias são parte integrante de cada ser humano. O homem, enquanto ser projectivo, projecta-se inevitavelmente no futuro. E esse projectar implica a materialização de um sonho, que arrancando das faculdades do querer e da imaginação, se abre a tempo futuro. E é precisamente este projectar-se no tempo que está na origem da palavra utopia. Utopia (do grego ou, não e tópos, lugar) significa, comummente, lugar que não existe. Mas, se atendermos ao facto de que este conceito deve a sua origem ao filósofo renascentista Thomas Morus, o seu significado deve ser radicalmente outro, pelo menos o filosófico. O inglês, ao colocar o referido vocábulo como título de um dos seus maiores ensaios filosóficos, no qual descreve um país ideal em que tudo está organizado para atingir a felicidade, não quis certamente relatar a negação absoluta do referido projecto, mas antes a sua possibilidade, aquilo que ainda não é mas que poderia vir a ser ou, se se quiser, a projecção de um futuro ideal.
Fernando Pessoa, um dos maiores poetas portugueses, coloca-se na linha de T. Morus, ao escrever a sua Mensagem. O excerto que lhe propomos é uma exortação ao sonho e à utopia, ao despertar das nossas faculdades do querer e da imaginação, que, sendo tão humanas quanto as da sensibilidade e do entendimento, devem orientar as nossas existências na construção de um futuro melhor.


Fernando Pessoa
Mensagem II - Segunda Parte: Mar Português
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1. O INFANTE
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Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
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E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
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Quem te sagrou criou-te português
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
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